Retrospectiva Técnica 2010 - Parte II

Por Hudson Martins

Na série "Retrospectiva Técnica 2010" o Blog Leitura de Jogo relembra as principais equipes do ano que se encerra, e analisa suas principais características, sobretudo através de aspectos técnicos e táticos. Neste segundo post, o enfoque se dá nos clubes internacionais com resultados mais expressivos neste ano: Barcelona, Bayern de Munique e Internazionale.

Barcelona - Campeão do Campeonato Espanhol 2009/2010
O título do Campeonato Espanhol foi o prêmio para mais um ano de futebol muito bem jogado pelo Barcelona. Embora tenha sido eliminado por Sevilla e Internazionale, respectivamente, na Copa do Rei e na UEFA Champions League, uma vez mais a equipe catalã encantou o mundo com um futebol tanto eficiente quanto belo. Mesmo tendo sido regular durante todo o ano, a equipe de Pep Guardiola entra nesta lista em função de uma partida, em especial: a goleada sobre o Real Madrid, no dia 30/11. O 5 x 0 contra o maior rival consolidaram o Barça numa posição de excelência no futebol mundial, e impressionaram a todos pela maneira contundente como foi construído.

Análise Tática


Acima, o Barça do segundo semestre, e que enfrentou o Real no massacre do Camp Nou. Daniel Alves sobe constantemente, fortalecendo o lado direito, ao contrário de Abidal, que chega a fazer linha de três zagueiros com Pique e Puyol nos ataques do Barça. Enquanto Busquets guarda posição, Xavi e Iniesta giram pelo campo, e tanto auxiliam Villa e Pedro, quanto se infiltram no ataque para a finalização. Centralizado, mas com total de liberdade de movimentação, está Lionel Messi, o ponto de desequilíbrio da equipe que, hoje, pratica o melhor futebol do mundo. Com altíssima qualidade técnica, e inúmeros recursos táticos, o Barcelona torna-se dificílimo de ser derrotado atualmente.

Singularidades Barcelonistas

Lionel Messi: não é simples falar do jogador mais espetacular da atualidade. Os dribles desconcertantes aliados à objetividade do camisa 10 do Barça são apenas duas das qualidades do argentino, que surpreende ao mundo a cada jogo. Durante o ano, manteve regularidade impressionante no Barcelona, e fez boa Copa do Mundo (embora seja criticado em função do insucesso da equipe como um todo). Um dos grandes momentos de Messi em 2010 foi, sem dúvidas, o próprio clássico contra o Real Madrid, em partida na qual não balançou as redes, mas foi peça fundamental para a goleada no Camp Nou, com a sua movimentação incessante, e as tradicionais arrancadas para cima dos rivais madrilenhos. Belíssimo ano do jogador que concorre ao prêmio de Melhor Jogador do Ano, ao lado de...

Xavi e Iniesta: aqui estão dois jogadores que não costumam chamar a atenção do torcedor num primeiro momento, pois não são meias dribladores, característica sempre presente nas avaliações iniciais da grande maioria dos "observadores" de futebol. Entretanto, o tempo mostrou o talento de dois atletas de excelente qualidade de passe, e noção tática exemplar. Assim como Messi, tambem fizeram temporada impecável no Barcelona, e ainda, como cereja do bolo, puderam comemorar o inédito título mundial na África do Sul, tendo participação fundamental. Independentemente do vencedor da premiação realizada pela FIFA no próximo dia 10, o trofeu estará em boas mãos (frase jamais vista por você, caro leitor).

Legado Barcelonista

Já há muito tempo, o Barcelona pratica um futebol de altíssimo nível. Entretanto, a atual equipe valoriza ainda mais a importância de uma categoria de base forte, que possa oferecer ao time principal jogadores preparados para atender às necessidades dos profissionais. Dos 11 jogadores considerados titulares atualmente, 8 foram formados em casa (apenas Daniel Alves, Abidal e Villa não entram nessa lista). O criterioso trabalho de formação de atletas tem resquícios históricos (que remetem, por exemplo, à passagem de Johann Cruyff pelo clube), mas também ressurgiu, à fórceps, num momento de crise no início dos anos 2000. Reestruturado, e com os melhores jogadores do mundo sendo produzidos sob sua supervisão, o Barcelona mostra que a formação de novos jogadores pode até ser um caminho mais longo para se chegar a resultados consistentes, mas tem o seu valor, sem sombra de dúvidas.

Bayern de Munique - Campeão do Campeonato Alemão e da Copa da Alemanha 2009/2010
Embora seja protagonista dos principais eventos do futebol alemão nas últimas temporadas, faltava ao Bayern de Munique um resultado expressivo em âmbito continental, o que não ocorria há tempos. Com belo trabalho de Louis Van Gaal, e grandes atuações de Arjen Robben, o Bayern, dentre outros adversários, passou pelo Manchester United, em Old Trafford, e só foi parado pela Internazionale de José Mourinho, na Final da Champions. No segundo semestre, atuações irregulares, mas que não apagam o que foi feito durante toda a última temporada.

Análise Tática


O 4-2-3-1 de Louis Van Gaal contava com alguns trunfos: a defesa era consistente, bem protegida pelos zagueiros e com as delicadas intervenções de Van Bommel; os laterais não subiam com intensidade, embora Lahm chegasse ao ataque esporadicamente; Schweinsteiger fazia função híbrida (muito similar àquela que executaria na África do Sul, em junho): tinha responsabilidades defensivas, mas era fundamental para qualificar a saída de bola e chegar ao ataque com força. Entretanto, o grande destaque ficava para Arjen Robben, que fez temporada fantástica até julho; neste Bayern, ele coordenava as ações do setor de ataque, chamando para si o jogo pelo lado direito do campo e fazendo as tradicionais investidas pelo centro. Foi peça fundamental na belíssima temporada feita pelos bávaros.

Singularidades Bávaras

Arjen Robben: sem brilhar em Chelsea e Real Madrid, Robben alcançou altíssimo desempenho na temporada 2009/2010. Com atuações decisivas (Fiorentina e Manchester United que o digam), Robben tornou-se a principal arma ofensiva da equipe da Baviera, e um dos principais jogadores do mundo na época que precedia a Copa do Mundo. Dali em diante, uma série de lesões comprometeu seu desempenho, e, aliado aos vice-campeonatos europeu e mundial, tornou-se fator decisivo para que o holandês não brigasse por um maior número de prêmios individuais em 2010.

Legado Bávaro

Muito do que se viu no Bayern 2010 pode também ser observado na seleção alemã que disputou a Copa do Mundo, em junho. Não há como provar que Joachim Low baseou-se no esquema utilizado por Louis Van Gaal, mas também seria incorreto ignorar, por exemplo, que o sucesso de Schweinsteiger no Mundial possa ter alguma relação com o longo tempo em que exerceu função tática similar na equipe de Munique. Outros que jogaram nas mesmas posições em ambas as equipes e chegaram em bom nível à Copa foram Lahm, Badstuber e Klose (este fez péssima temporada no Bayern, mas jogou - e bem - pela Seleção no mesmo posicionamento que ocupava no seu time, quando entrava em campo). Quem destoou nesta lista foi Thomas Muller, centralizado no Bayern, e aberto no lado do campo na Seleção. Aqui, não seria prudente descartar o senso de observação do próprio Muller em função das atuações do companheiro Robben; a temporada exuberante do holandês pode (por que não?) ter influenciado no grande desempenho do alemão na África do Sul.


Internazionale - Campeã do Campeonato Italiano, da Copa da Itália e da UEFA Champions League 2009/2010
Na temporada 2009/2010, três títulos disputados e 100% de aproveitamento. A Internazionale conseguiu a tríplice coroa com absoluta autoridade, e fez história sob o domínio de José Mourinho. Destaque absoluto para o título da UEFA Champions League, que não vinha desde a temporada 1964/1965. Na época que passou, superar rivais como Chelsea, Barcelona e Bayern de Munique apenas chancelou o merecimento da equipe nerazzurri que, mais tarde, ainda conquistaria o Mundial de Clubes da FIFA, sob o domínio do já ex-técnico Rafa Benitez.

Análise Tática


A solidez defensiva foi a marca da Internazionale de José Mourinho. Embora Maicon, Sneijder, Eto'o e Milito mostrassem muita força no ataque, não há como negar que a consistência da zaga foi o grande destaque dessa equipe. Acima, o posicionamento da Inter nos dois jogos mais importantes da temporada: à esquerda, um lado esquerdo reforçado para segurar Lionel Messi no Camp Nou, e garantir a vaga à Final; à direita, o recuo de Cambiasso para auxiliar Chivu na proteção ao inspirado Robben, na noite em que a objetividade de Milito trouxe a Champions League de volta aos torcedores interistas.

Singularidades Nerazzurri

José Mourinho: a conquista da UEFA Champions League passa, invariavelmente, pelo trabalho de Mourinho. Sabedor das características da Inter, montou uma equipe absolutamente sólida na defesa (e aqui há um encaixe com o seu próprio estilo de trabalho), vitoriosa como mandante, e que sabia explorar as boas armas ofensivas que tinha (como as subidas de Maicon ou as investidas de Sneijder e Eto'o à procura de Milito). Mais uma vez, assim como fizera nos tempos de Porto, Mourinho conquista a Europa sem ser favorito, embora haja evidente diferença técnica entre o Porto/2004 e a Inter/2010. No Chelsea, Mourinho deu cara a equipe que seria vice-campeã europeia sob o comando de Avram Grant. Agora, no Real Madrid, quais serão os resultados?

Paredão defensivo: a solidez defensiva demostrada até o meio de 2010 passa pela união de dois fatores essenciais. A excelência tática, fruto do trabalho de Mourinho, e o grande momento técnico de vários jogadores, tais como Júlio César (melhor goleiro do mundo no primeiro semestre), Maicon (em espetacular forma naquele momento), Lúcio (renegado no Bayern, um monstro na Inter), Samuel e Javier Zanetti (aliando experiência à segurança), Cambiasso (de espetacular atuação na Final da Champions)... A união do bom desempenho coletivo com o grande momento individual dos atletas de defesa, construiu um sistema defensivo muito forte, fundamental para o sucesso na temporada (ressalte-se aqui que o bom desempenho individual se estendeu ao ataque, com belíssimas atuações de Sneijder, Eto'o e Milito, sobretudo este)

Legado Nerazzurri

O legado deixado pela Internazionale passa, sem dúvida, pela já citada consistência defensiva. E aqui não se fala de "retranca"; a abordagem passa por jogadores que decidem ofensivamente, e que são protegidos por um sistema defensivo bem posicionado, e individualmente muito qualificado. Os comandados de Mourinho provaram que é possível vencer assim, ainda que seja necessário aplicação extrema, assim como altíssima eficiência (nesta Inter, representada na figura de Diego Milito). A Internazionale pode deixar um legado distinto e até incompatível com o conceito de futebol de muitos dos que trabalham no meio; porém, ignorar o feito deste time é algo que não pode ocorrer, em hipótese alguma.

*Créditos ao Blog Olho Tático , de André Rocha (http://globoesporte.globo.com/platb/olhotatico), de informações fundamentais para que este post pudesse ser escrito.

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