Retrospectiva Técnica 2010 - Parte III

Por Hudson Martins

Na série "Retrospectiva Técnica 2010" o Blog Leitura de Jogo relembra as principais equipes do ano que se encerra, e analisa suas principais características, sobretudo através de aspectos técnicos e táticos. Neste terceiro e último post, o enfoque se dá nas seleções com resultados mais expressivos neste ano: Alemanha, Espanha, Holanda e Uruguai.

Alemanha - 3ª colocada da Copa do Mundo FIFA 2010
No início de julho, próximo ao início das semifinais do Mundial, grande parte da imprensa especializada considerava o futebol jogado pela Alemanha como o mais belo apresentado na Copa do Mundo até então. O estilo de jogo insinuante e vertical dos alemães (o que, para alguns, chegava a ser um contrasenso) conquistou a preferência muita gente, sobretudo após belíssimos jogos contra Austrália, Inglaterra e Argentina. Mesmo em grande fase, a equipe de Joachim Low foi eliminada pela Espanha, encerrando o sonho do tetracampeonato mundial, e jogando os alemães para a disputa do terceiro lugar, quando venceu o Uruguai, em Porto Elizabeth.

Análise Tática


Do meio pra frente, a Alemanha de Joachim Low era pura movimentação. Seja através das subidas alternadas de Khedira e Schweinsteiger, das entradas em diagonal de Podolski e Muller, ou dos deslocamentos de Ozil chamando o jogo para si, os alemães procuravam de modo bem mais contudentemente a meta adversária. Destaque ainda para os contra-ataques exuberantes construídos pelos alemães, que mataram adversários fortes como Inglaterra e Argentina no Mundial.
 
Singularidades Alemãs

Thomas Muller: chegando à África do Sul com menos de um ano de experiência profissional, Muller provou que é perfeitamente possível jogar grandes competições em alto nível, independentemente da faixa etária, e encarou a Copa do Mundo com extrema serenidade. Foi assim que o meia do Bayern de Munique fez um Mundial espetacular, alcançando a artilharia, e o posto de melhor jogador jovem da Copa. Tomando conta do lado direito do campo, Muller talvez tenha se tornado o principal símbolo da intensidade do jogo desta nova versão da Alemanha, muito menos pragmática do que em outrora. Sua ausência foi muito sentida nas semifinais, contra a Espanha.

Bastian Schweinsteiger: em 2006, Schweinsteiger já havia feito um bom Mundial, jogando como meia, ao lado de Michael Ballack. Em 2010, a parceria seria repetida, agora em posições mais recuadas, não fosse a lesão do camisa 13 alemão. Desta forma, quem formou dupla com o jogador do Bayern de Munique foi Sami Khedira, então jogador do Stuttgart. Khedira viu ao seu lado um jogador muito mais maduro, capaz de assumir a condição de capitão da equipe, e controlar o ritmo de jogo da Alemanha à sua maneira, ora explorando a velocidade de Podolski, Ozil e Muller; ora cadenciando o jogo, e lançando mão do bom uso da posse de bola. Com grandes atuações individuais (sobretudo contra a Argentina), Schweinsteiger foi, certamente, um dos grandes nomes da última Copa do Mundo.

Legado Alemão

A Alemanha deixou duas grandes marcas no Mundial 2010. A primeira delas se reflete dentro do seu próprio território, com a consolidação da possibilidade de se jogar bem com a posse de bola, utilizando a técnica e a movimentação de seus meias e atacantes para envolver o adversário e controlar o jogo, num estilo que já deixara algumas marcas há quatro anos, na Copa do Mundo realizada na própria Alemanha. Além disso, a seleção de Joachim Low mostra que não há razão para ignorar jogadores extra-série apenas por serem jovens e, teoricamente, "inexperientes"; Badstuber, Kroos, Marin, Ozil e Muller foram à Copa do Mundo mesmo sendo ainda "verdes" na seleção. As atuações espetaculares dos dois últimos, e a qualidade das equipes como um todo mostraram quem tinha razão numa hipotética disputa entre o técnico alemão e o brasileiro no último Mundial.

Espanha - Campeã da Copa do Mundo FIFA 2010
Há pelo menos três Copas do Mundo, a Espanha sempre chegava em boas condições de fazer campanhas consistentes, mas acabava tropeçando nas próprias pernas, reforçando os argumentos daqueles que acreditam em pipocadas homéricas ou zicas irreversíveis. Entretanto, ao mesmo tempo em que cresciam as críticas pelos desempenhos irregulares em competições importantes, era formada, nas categorias inferiores do futebol espanhol, a base que chegaria ao topo do mundo na África do Sul. Sem ser espetacular, mas jogando de maneira segura e objetiva, a Espanha, em 2010, entrou para o seleto grupo de campeões mundiais de futebol.

Análise Tática


Acima, a Espanha campeã do mundo, dona da posse de bola em todos os momentos, com saída de bola muito qualificada por Xabi Alonso, movimentação incessante de Xavi, Iniesta e Pedro, e subidas de Sergio Ramos ao ataque, explorando sua força física e razoável técnica. O setor de criação não se apressava; esperava o momento certo para buscar David Villa, pois sabia da eficiência do seu artilheiro.

Singularidades Espanholas

Xavi e Iniesta: embora já tenham sido citados nesta mesma "Retrospectiva Técnica 2010", na análise do desempenho do Barcelona, vale reforçar o que ambos fizeram pela seleção. Se a função tática de Xavi foi semelhante àquela exercida no seu clube (e feita com a habitual competência, diga-se de passagem), Iniesta teve de jogar de maneira um pouco distinta, aberto pelo lado do campo, e entrando em diagonal na defesa adversária. Jogador espetacular que é, fez grande Copa do Mundo numa função que geralmente exige características ligeiramente distintas da sua, tais como alta velocidade e dribles desconcertantes. Além disso, não há como esquecer o gol marcado já nos últimos instantes da prorrogação, que selou o título mundial, contra a Holanda.

David Villa: acostumado a jogar ao lado do excelente Fernando Torres, Villa ganhou maiores responsabilidades neste Mundial, em função da lesão do camisa 9. O então jogador do Valencia não sentiu a pressão, soube como aliar a necessidade de se fazer presente dentro da área com a movimentação que lhe é característica, e fez Copa do Mundo exuberante, marcando 5 gols, e se tornando peça fundamental para a grande campanha espanhola.

Legado Espanhol

O investimento na base (que se refletiu em inúmeros títulos nas categorias inferiores, e na formação de atletas extra-série) é um dos grande legados desta seleção espanhola. Qualidade sempre houve, mas talvez faltasse uma sintonia maior entre o que era praticado quando da formação dos jogadores e a exigência do futebol profissional, no qual a Espanha sofria grande pressão em função da carência de títulos. Com mentalidade vencedora desde jovens, adaptação a sistemas táticos similares na base e nos profissionais e desenvolvimento técnico evidente (responsável por lançá-los nos melhores clubes do mundo), os jogadores espanhois chegam, hoje, a um ponto de excelência no futebol mundial. Ressalte-se ainda a mudança postura adotada ainda na gestão Luis Aragones, quando a Espanha enxergou que tinha potencial para ser protagonista, e transferiu esse objetivo para dentro de campo, com a máxima valorização da posse de bola, e tomada do controle de quase que 100% dos jogos disputados.

Holanda - Vice-Campeã da Copa do Mundo FIFA 2010
Quando pisou no gramado do Soccer City, para estrear na Copa do Mundo contra a Dinamarca, a Holanda defendia uma invencibilidade de 19 jogos - cerca de 2 anos sem saber o que era perder. Com qualidade técnica no setor ofensivo, se esperava muito da equipe de Bert Van Marwijk, que, de fato, manteve a invencibilidade até a Final (ou saiu invicta da Copa, já que empatou com a Espanha no tempo normal), mas não jogou da maneira insinuante como era imaginado. Ainda assim, os épicos jogos contra Brasil, Uruguai e Espanha ficaram marcados na história dos Mundiais; nos três, se viu uma seleção aguerrida e muito competitiva, mesmo tendo passado do ponto em alguns momentos, além de mostrar algum pragmatismo.

Análise Tática


A Holanda que bateu na trave na África do Sul construiu sua jornada no Mundial através das intervenções cuidadosas de Van Bommel e De Jong (sobretudo este...), da movimentação de Robben entrando em diagonal na defesa adversária, e dos lançamentos e finalizações sempre precisos de Sneijder. Num desses passes, Robben jogou por terra as chances de título holandesas; mais tarde, no chute cruzado de Iniesta, o atacante veria com seus próprios olhos a comprovação da tese de que a bola, de fato, pune.
Singularidades Holandesas

Wesley Sneijder: após temporada brilhante na Internazionale, era chegada a hora de Sneijder provar o seu valor numa Copa do Mundo. O meia não havia sido espetacular até as quartas-de-final, quando do confronto contra o Brasil. Após um primeiro tempo fraco, Sneijder foi o grande destaque da segunda etapa, e fez os dois gols da vitória holandesa (um deles com ajudinha de Felipe Melo, é bem verdade). Num jogo fundamental, e de altíssimo grau de competitividade, coube ao baixinho camisa 10 o poder de decisão para levar os holandeses às semi-finais, fato que não ocorria há 3 Copas.

Maarten Stekelenburg: após Edwin Van der Sar pendurar as luvas na meta da seleção, a busca por um goleiro de alto nível era uma das prioridades holandesas. Seria leviano afirmar que Stekelenburg já assumiu este posto, mas também não há como negar a grande Copa do Mundo feita pelo arqueiro do Ajax. Com bom porte físico (1,94m de altura) e capacidade técnica considerável (o torcedor holandês se lembrará de defesas como as feitas em chutes de Stoch e Vittek, contra a Eslováquia, e numa bela finalização de Kaká, contra o Brasil), Stekelenburg se consolidou na meta holandesa, e foi um dos destaques da equipe de Bert Van Marwijk no Mundial.

Legado Holandês

Das equipes que chegaram longe na Copa do Mundo, a Holanda foi, sem dúvidas, a mais previsível delas. Pouco apoio dos laterais, volantes adeptos do brucutu's soccer, e torcida para que os homens de frente resolvessem, ou para que jogadas de bola parada rendessem golzinhos salvadores. Fica a marca de uma equipe aguerrida e de claro compromisso com o objetivo de levar a Holanda ao título mundial inédito. Porém, tecnicamente, a imagem deixada por esta seleção é bem menos marcante do que poderia ser.

Uruguai - 4º colocado da Copa do Mundo FIFA 2010
Aqui está a grande surpresa do Mundial da África do Sul. Tendo cruel destino no sorteio, que o levou ao encontro de França, México e África do Sul na fase inicial, o grupo do técnico Oscar Tabarez mostrou brio, qualidade técnica (sobretudo na figura de Diego Forlan), versatilidade e um pequeno auxílio dos deuses do futebol para chegar às semi-finais. Campanha histórica, que trouxe o Uruguai de volta a um período de competitividade e vitórias em cenário mundial.

Análise Tática


A flexibilidade tática foi uma das marcas da equipe de Oscar Tabarez na Copa. À esquerda, linha de três zagueiros, Ignacio Gonzalez na criação, e Forlán muito mais próximo à área, na partida contra a França. À direita, em esquema que pautou a equipe em boa parte da Copa, maior movimentação dos jogadores de ataque, e liberdade para que Forlán trabalhasse como enganche e levasse o Uruguai à melhor campanha em Copas desde 1970.

Singularidades Uruguaias

Diego Forlán: merecidamente eleito o Melhor Jogador da Copa do Mundo. Numa equipe inferior tecnicamente a boa parte dos adversários, Forlán assumiu a responsabilidade que lhe cabia, e condiziu a Celeste a uma histórica semi-final. Para tanto, teve de se adaptar a uma função tática incomum, jogando como uma espécie de enganche - principal meia de articulação da equipe, mas com a alcunha de arrancar em direção ao gol - e com espetacular poder de decisão em momentos importantes do Mundial. 5 gols (alguns deles fantásticos), e Copa do Mundo histórica para Diego Forlán.

Luís Suarez: com a bola nos pés, grande Mundial do camisa 9 uruguaio. Muita movimentação pelos lados do campo e belos gols. Com a bola nas mãos, um dos momentos mais marcantes da Copa: a defesa milagrosa contra Gana, que salvou o Uruguai da eliminação nas quartas-de-final, e a vibração após o erro de Asamoah Gyan ganharam seu lugar na história dos Mundiais. Assim como Muller frente a Espanha, a ausência de Suarez contra a Holanda foi muito sentida.

Legado Uruguaio

A aplicação e flexibilidade táticas, e os 30 dias inspirados do seu camisa 10 levaram o Uruguai a uma posição marcante na sua história, após vários anos de instabilidade e frustrações. Como legado, o Uruguai deixa a já característica raça, sempre presente nas suas equipes, como também a supracitada questão tática, com a qual os países da América do Sul insistiram em relutar durante muito tempo, mas que se mostra cada vez mais um artifício fundamental na construção de equipes competitivas e vencedoras. Oscar Tabarez lançou mão do seu conhecimento tático de maneira muito competente, e também merece congratulações em função da belíssima campanha feita na África do Sul.

*Créditos ao Blog Olho Tático , de André Rocha (http://globoesporte.globo.com/platb/olhotatico), de informações fundamentais para que este post pudesse ser escrito.

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